banco mundial da genitália

Em que campo se insere o BMG? Vocês consideram um projeto artístico? Uma militância? Um arquivo? Qual a intenção do banco? Que valor ou uso vocês imaginam para essas fotos no futuro? Lembrar as pessoas como eram as genitálias humanas antes de cirurgias íntimas, clareamentos etc?

João: O Banco pode ser definido como um projeto artístico, uma militância e um arquivo de imagens. Considerando que temos o site do banco, os cartazes, as fotos rejeitadas, a elaboração das cabines e a interação/conversa com o público, pode­se dizer que é um projeto transmídia. Pessoalmente, acho que as pessoas tem o direito de fazer cirurgias para alterarem algo que não gostam em si e o BMG inclusive abarca também genitálias modificadas/tatuadas/hermafroditas. Mas, o fundamental ­ e esse é o objetivo do banco ­ é quebrar a idéia do “desejo padrão”: o corpo ideal, a genitália ideal, a pessoa ideal; e que esse ideal seja ditado pela mídia/cultura. A intenção é promover o debate, a conversa e, em última instância, mais liberdade pro corpo e pra cabeça das pessoas.

Caroline: As brasileiras estão em segundo lugar no ranking mundial de cirurgias íntimas/ labiaplastia. Muito disso vem das meninas estarem acostumadas apenas com vaginas de ‘revista de mulher pelada’ que normalmente são fotoshopadas para apagar os pequenos lábios. O BMG mostra que existem diversos infinitos formatos de vagina, já recebemos alguns comentários de pessoas que disseram que passaram a se sentir mais confortáveis peladas, depois de conhecer o banco. Eu adoraria se ninguém mais sentisse vontade de fazer labiaplastia.

Luiza: O banco pra mim é todas essas palavras que você usa pra perguntar e também nenhuma, é uma ferramenta de disparo de questionamentos.

 Qual foi o gatilho para a criação do banco? De onde veio a ideia? Se inspiraram em algo do noticiário ou no trabalho de alguém? Quando e como o projeto começou? No que consiste o trabalho de vocês?


João: O gatilho foi a experiência sexual em si. Não nos inspiramos em ninguém. Há vários anos, eu e a Carol éramos namorados, estávamos conversando depois de transar e eu disse que tinha que existir um catálogo com todas as genitálias humanas, e logo depois esqueci de ter dito isso. Tempos depois a Carol comentou a ideia com a Luiza e as duas estavam decididas a fazer o projeto acontecer. Elas duas decidiram tocar
a idéia, vieram me chamar e nós três juntamos nossos poderes. E ainda demorou um tempo para lançarmos o site, que foi montado pelo Vítor Calejuri. Isso foi em 2012, eu acho. Na época, antes de colocarmos o botão de upload no site, todas as fotos eram tiradas por nós mesmos e amigos, em festas e galerias no Brasil e na Europa. Hoje em dia, nosso trabalho consiste em gerenciar o site, conversar sobre o Banco e eventualmente fazer uma cabine de coleta em algum evento ou situação.

Por que os homens devem mostrar o membro relaxado, e não duro? Quais são os direcionamentos para tirar uma foto para o BMG? Vocês aceitam todas as fotos enviadas? Quais os critérios de seleção? Vocês se sentem curadores de órgãos?

João: Nós não somos curadores de orgãos, uma vez que todos entram. Acho que queremos mais é ser os Julian Assange do pudor inútil. Quanto ao padrão das fotos, a idéia do projeto é ser mais informativo do que erótico. Por isso a genitália fora do contexto sexual, de excitação. As fotos são tiradas de frente, na altura da genitália, a uma distância mais ou menos padrão. Logicamente, as pessoas enviam as imagens mais variadas de qualquer coisa, e o nosso trabalho é selecionar. Da mesma forma, quando montamos as cabines, as pessoas tem vontade de tirar fotos de outras coisas que não só a genitália em repouso. Em todos os casos, colocamos no site só as fotos padrão e guardamos as outras. Algumas podem ser vistas em bmgenitalia.tumblr.com

Caroline: Mais de 95% e todas as genitálias que recebemos são rejeitadas, não aguento mais ver fotos de paus duros do lado de latas de Pringles.

Luiza: essa questão é interessante porque, o pau duro, ele traz mais do que conotação erótica, ele traz uma certa violência. Você ve, não recebemos muitas bucetas abertas mostrando o clitoris inchado ou com coisas dentro, mas muito pau duro. Porquê? porque ainda é um mundo em que o pau duro é um instrumento de poder, de opressao, a mente iria pra outro lado, um questionamento mais pontual do que o da genitalia relaxada, que tambem traz a “questão do pau” no seu escopo.

Caroline: Atualmente recebemos quatro vezes mais fotos de paus do que de qualquer outra coisa, o que é um dado que encaramos como reflexo da passividade imposta pelo meio às mulheres e de tudo isso que a Luiza comentou. Queremos que mais e mais mulheres, e pessoas com genitálias ambíguas se sintam à vontade e nos mandem suas genis também!

Como funciona o esquema que vocês montaram das cabines?

João: É simples. Montamos diferentes cabines em diferentes locais para que as pessoas possam baixar as calças e um de nós fotografar, privativamente. Um membro do Banco fica do lado de fora explicando a proposta para quem passa, quem quer entra na cabine. Mas, é claro que as cabines servem para muita coisa. Nossa experiência nos mostrou que as cabines do Banco Mundial da Genitália acabam se tornando uma zona autônoma de um metro quadrado.

Luiza: As cabines sao otimas pq podemos inventar espaços, preparar a experiencia, usar a presença do fotografo para aumentar a experiencia do banco.

Vocês têm planos de fazer uma exposição ou livro com essas imagens? Vocês catalogam as imagens de algum modo, separando por local onde foram tiradas, idade do fotografado, algo assim?


João: Ainda não temos planos concretos. Adoraríamos montar alguma exposição ou livro, tanto com as fotos rejeitadas quanto com as oficiais e nossos cartazes e materiais de divulgação. E não, as imagens não são diferenciadas de maneira nenhuma.

Caroline: A ideia é mesmo que não recebamos nenhuma informação sobre a foto, e elas ficam todas juntas e dispostas de forma randômica no site.

Luiza: as imagens ja sairam em fanzines e em projeções, midias que suportam uma exposição interessante, que eu particularmente gosto muito porque mantem a espontaneidade do site de ser uma coisa que salta na sua frente (de um link), muitas vezes inesperadamente.

 Vocês acreditam no discurso da “real beleza das partes íntimas”, como a Folha colocou? Afinal, por que as partes íntimas têm que ser bonitas?

João: A “real beleza das partes íntimas” de fato foi uma contribuição da Folha de São Paulo. O objetivo do Banco Mundial é tornar a imagem da genitalia humana uma coisa comum. Talvez a Folha de São Paulo tivesse acertado mais ao escrever sobre “A beleza das partes íntimas reais”.

Caroline:  Esses tempos lançamos uma campanha na página do facebook do BMG incentivando as mulheres desenharem suas vaginas. Essa ideia surgiu depois que li uma matéria com mulheres que não conhecem as próprias vaginas, ou acham suas vaginas feias. Eu acho que os orgãos genitais são bonitos, sim, sei lá, são mais bonitos que iphones, por exemplo. Só que na nossa cultura de consumo telefones celulares tem que ser vistos como bonitos e vaginas tem que ser esquisitas e escondidas.

Luiza: Essa ideia de que genitalia é feia é uma carga historica nojenta. O que a Carol fala é maravilhoso, é isso mesmo, somos incentivados a gostar e venerar telefones abertamente, por que não somos incentivados desde criança, abertamente, a amar nosso corpo, nossa genitalia, nosso orgasmo? A flor é a genitalia da árvore.

8. O que faz uma pessoa querer participar do projeto? Exibicionismo? Se sentir normal? Entrar para a história? 


João: Entrar pra história? Não entendi a pergunta. A nossa vontade é quebrar padrões de normalidade & desejo enquanto nos divertimos. E exibicionismo é tirar selfie e fazer instagram de comida.

Caroline:  As tendas de coleta são sempre muito divertidas, mesmo. E é libertadora a sensação de baixar as calças do meio do minhocão lotado. (Como você pode ver na foto da parangotenda que fizemos para o festival Baixo Centro.)

Luiza: Muitas motivações, a minha é pra contribuir pra exposição da diversidade.

9. E o que leva alguém a olhar as fotos do banco? 


João: É impossível dizer com certeza, mas a média de tempo que as pessoas gastam no site é beeem alta. Algo como 10 minutos, o que nos dias de hoje é muito tempo. Eu mesmo, às vezes fico absorto olhando aquele monte de paus e bucetas passando na tela do meu computador, sem pensar em nada.

Luiza: A curiosidade. E a partir daí, cada um tira a sua experiência.

*entrevista completa do BMG para a revista TRIP

 

Banco Mundial da Genitália

Captura de Tela 2014-11-13 às 00.08.15

 

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